ANGOLA GROWING

Não é com os salários de miséria que vamos lá…  

23 Feb. 2022 Opinião

Dividindo os 7,3 biliões de kwanzas da remuneração dos empregados em 2019 pela população empregada no mesmo ano de cerca de 9.750.000 em média, temos um salário médio de cerca de 748 mil kwanzas anuais ou aproximadamente 62.500 kwanzas mensais, à volta de USD 171.

Não é com os salários de miséria que vamos lá…   

 

 

O peso dos salários no Produto Interno Bruto (PIB) de Angola caiu quase cinco pontos percentuais (pp) em 10 anos, de 28,7% em 2009 para 24,0% em 2019, de acordo com o anuário das contas nacionais 2009-2019 publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) no início deste mês que nos dá o valor do PIB de acordo com as três ópticas de cálculo.

O PIB representa a riqueza produzida pelos residentes de um determinado território, num certo período de tempo, normalmente um ano, medida a preços de mercado.

A riqueza produzida pode ser medida segundo três ópticas:

Na óptica da oferta ou da produção, o PIB, a custo de factores, é a riqueza gerada pelas empresas dos diferentes ramos de actividade económica medida pelo valor acrescentado bruto (VAB). Por sua vez, o VAB é a diferença entre a produção e os consumos intermédios usados nessa produção, a preços base. Se somarmos os impostos indirectos e subtrairmos os subsídios recebidos temos o PIB a preços de mercado, que não é mais do que a soma dos bens e serviços finais produzidos numa economia durante um determinado período de tempo.

Aquilo que se produz num território vai para consumo, público e privado, e investimento ou é vendido ao estrangeiro sob a forma de exportações. Como nem tudo o que se consome ou é exportado é produzido internamente subtraem-se as importações para chegar ao PIB na óptica da despesa.

Aquilo que se produz é igual ao que se gasta e ao que se ganha. Ou seja, o PIB na óptica da produção e da despesa é igual ao PIB na óptica do rendimento, isto é, a soma das remunerações do trabalho, basicamente salários, dos impostos líquidos de subsídios sobre a produção e a importação e do excedente bruto de exploração, que grosso modo correspondem aos lucros.

É a partir do PIB, na óptica de rendimento, que é possível analisar como se distribui a riqueza gerada numa economia, a qual, grosso modo, vai para salários, impostos e lucros.

Em 2019, segundo o INE, o PIB angolano foi de cerca de 30,3 biliões de kwanzas distribuído da seguinte forma: salários 7,3 biliões kwanzas ou 24% do total; lucros 22,1 biliões de kwanzas ou 73% e impostos 924,5 mil milhões kwanzas ou 3%.

Ou seja, apenas um em cada quatro kwanzas de riqueza gerada vai para o bolso dos trabalhadores. Digo apenas, porque, no Brasil e em Portugal, o peso das remunerações dos empregados é o quase o dobro do de Angola. Em 2019, os trabalhadores brasileiros ficaram com 43,5% da riqueza gerada e os portugueses com 45,3%.

Dividindo os 7,3 biliões de kwanzas da remuneração dos empregados em 2019 pela população empregada no mesmo ano, da ordem de 9 750 000, em média anual, temos um salário médio de cerca de 748 mil kwanzas anuais ou aproximadamente 62 500 kwanzas mensais, à volta de USD 171. Infelizmente, não disponho de dados para Portugal e para o Brasil para as devidas comparações, mas acredito que sejam muito superiores.

Infelizmente também não possuo dados mais recentes para Angola. Como referi, o anuário das contas nacionais publicado pelo INE vai de 2009 a 2019.

Mas como os últimos aumentos do salário mínimo e da função pública foram em 2019 não deve haver diferenças significativas. Ou seja, a parte da riqueza gerada em Angola que vai para os trabalhadores é muito baixa e precisa de ser aumentada se quisermos ter um país mais equilibrado do ponto de vista da distribuição do rendimento.

Nesta perspectiva, os aumentos salariais anunciados pelo Governo para o salário mínimo e para os funcionários públicos vão o bom caminho (apesar do evidente eleitoralismo).

Existem riscos de inflação? Claro. Existem empresas que vão ter dificuldades em aplicar os novos salários mínimos? Evidentemente que sim.

Mas também não há crescimento sustentável com salários de miséria. Por isso, o Governo também andou bem ao discriminar positivamente os salários mais baixos.

Quanto mais rico se é, maior a tendência para consumir bens e serviços importados — grande parte do que comem, bebem e vestem vem do estrangeiro; os filhos estudam lá fora e também é lá fora que tratam da sua saúde; tão-pouco as sua mobílias, os seus electrodomésticos e os seus carrões são fabricados cá.... Como referido anteriormente, os bens e serviços importados não contam para o PIB.

Já com os mais pobres sucede o contrário, têm tendência a consumir mais bens e serviços produzidos em Angola — a maior parte do seu orçamento vai para a alimentação, bebidas e vestuário, bens mais susceptíveis de serem fabricados localmente; os seus filhos estudam no país e tratam-se em hospitais nacionais.

Uma vez que o consumo dos mais pobres tem uma componente nacional maior do que o consumo dos mais ricos, uma melhor distribuição da riqueza contribuiria para potenciar a produção nacional, isto é, para crescer mais.